ma análise da pesquisa Datafolha divulgada hoje
Nesses anos todos analisando pesquisas de avaliação de governos e de intenção de voto, detectei uma dinâmica constante nas oscilações do sentimento popular.
Assim como, na natureza, a gravidade é mais pesada ao nível do mar do que no alto das montanhas, os índices de aprovação ou rejeição também são mais “pesados” entre as faixas de renda mais baixas.
Ou seja, entre as famílias de renda mais baixa, as mudanças na avaliação de governos variam mais lentamente do que nas classes mais altas.
A razão nos parece óbvia: a informação política circula menos, e circula de maneira muito menos organizada, entre eleitores com menos instrução.
Enquanto nas faixas de renda média e alta, os brasileiros se esgoelam nas redes sociais, com denúncias de parte a parte, lendo blogs, sites, assistindo youtubers, entre os mais pobres, a informação chega a conta-gota, através da televisão, do rádio, do boca a boca, e da observação empírica de sua própria realidade econômica.
As paranoias mais barulhentas do núcleo duro bolsonarista, como a possibilidade do Brasil mergulhar numa espécie de “comunismo soviético”, as denúncias de Olavo de Carvalho sobre o “foro de São Paulo”, os tweets do presidente em favor das armas, nada disso faz qualquer diferença junto à população mais pobre e menos instruída.
O público alvo de Bolsonaro sempre foi e continua sendo a classe média, a mesma classe média que a esquerda passou a tratar com um preconceito ideológico absolutamente oportunista: como a classe média passou a desenvolver uma rejeição crescente ao petismo, o petismo contra-atacou criando uma narrativa, totalmente fantasiosa, com auxílio luxuoso de nomes como o de Jessé Souza, segundo a qual esta classe média é a representante da “Casa Grande”, é fascista, é escravocrata. Até hoje, Lula usa essa narrativa, como se vê num tweet recente.
Outro setor importante da classe média, e que foi decisivo para a eleição de Bolsonaro, são famílias com renda de 5 a 10 salários.
Neste setor, que inclui pequenos e médios empresários, servidores públicos mais qualificados, professores universitários, trabalhadores especializados, entre outros, a rejeição a Bolsonaro vem crescendo com muita velocidade nos últimos meses.
O setor com renda acima de 10 salários é composto, por sua vez, pela elite do funcionalismo público, empresários, e trabalhadores ultraespecializados. Bolsonaro ainda tem apoio de 42% neste segmento, mas a rejeição chegou a 49%.
Entre as famílias mais pobres, maioria no país, com renda até 2 salários, na qual o Datafolha tinha apontado uma queda na rejeição de Bolsonaro em abril, houve novamente alta nas notas ruim e péssima, que chegaram a 43%, contra 31% de bom e ótimo.
É importante atentar que o núcleo duro de apoio a Bolsonaro ainda são estes setores de classe média. É com eles que o presidente se comunica. Só que, antes, Bolsonaro tinha hegemonia absoluta nestes setores. Não tem mais.
A esquerda ainda não conseguiu ocupar o espaço deixado por Bolsonaro. As “mágoas” a que alguns analistas tanto gostam de se referir, quando tratam das dificuldades de lideranças políticas de voltarem a conversar, estão em verdade nas massas. Essa são as mágoas que importam, as mágoas que fazem perder ou ganhar eleições.
A reconquista da classe média requer uma outra linguagem, menos condescentente, menos paternalista, menos populista, menos voltada para o passado e mais centrada no futuro.
Voltando a Reich, ele observava que a classe média costumava ser excluída do “livro-texto” dos marxistas porque, “não possuindo os meios de produção, nem trabalhando neles”, ou seja, não sendo nem dona da fábrica, nem proletária, não teria nunca um papel determinante na luta de classes. Essa realidade mudou. As revoluções tecnológicas reduziram dramaticamente o tamanho do “proletário industrial”, e permitiram que uma massa enorme de cidadãos se tornasse dona de seus próprios negócios, de maneira que, nos países desenvolvidos, a hegemonia da classe média é hoje avassaladora. Parte do fracasso da esquerda, portanto, pode estar ligado à tentativa de falar a essa classe com a linguagem que se usava para se falar a um operariado industrial que hoje é numericamente inexpressivo.
Outro recorte importante para examinar como as diferentes classes vêem o governo é pelo nível de instrução. No caso do Brasil, o nível de instrução retrata nossa profunda divisão social.
Nos gráficos por instrução, chama a atenção o crescimento da rejeição a Bolsonaro entre eleitores com nível superior, que chegou a 56%.
Entre eleitores com ensino médio, que formam a maioria da população, também se viu uma expressiva deterioração na aprovação de Bolsonaro, com suas notas de ruim/péssimo subindo para 43% em maio, contra 36% em abril e apenas 26% em abril do ano passado.
Entre eleitores com até o ensino fundamental, Bolsonaro obteve uma melhora significativa nos últimos meses, com seus índices de bom/ótimo empatados com os de ruim/péssimo em 36% cada.
Conclusão: como o PT já demonstrou, para ganhar as eleições não é preciso ter maioria na classe média. Bolsonaro pode voltar a ganhar em 2022 mesmo tendo perdido parte importante dos eleitores de renda média, caso amplie sua presença entre o eleitorado mais pobre. Vitórias políticas (em oposição a vitórias puramente eleitorais), porém, precisam das classes mais instruídas para se consolidar. A previsão do avanço da crise econômica não oferece, além disso, perspectivas muito promissoras para Bolsonaro entre os mais pobres. O que o segura nestas camadas é o Auxílio Emergencial. Assim que este for retirado, haverá mudança brusca no humor dos mais pobres, e isso deverá contaminar também as classes médias, cada vez mais desconfortáveis com a incompetência e grosseria do presidente da república.